Possibly (Possivelmente) é um novo livro do escritor norte-americano Madison Morrison, que transita pelos mais diversos gêneros literários, autor de dezenas de obras instigantes, quase sempre de fundo mitológico. Seus trabalhos resultam não só de suas inúmeras leituras como também de experiências vividas nas muitas viagens que fez ao redor do mundo, incluindo ao Brasil e outros países da América Latina. Atualmente, ele reside na Tailândia.
O significado do título deste livro, ainda inédito, já vem sugerido no breve ensaio que o abre mesmo antes do prefácio, em que o autor compara possible (“o possível”) com probable (“o provável”), ou melhor, contrasta os dois termos ou conceitos, para enfatizar a possibilidade do realismo de sua narrativa. Isto fica mais claro ainda no primeiro capítulo, quando Nein Wang, um interlocutor do autor, afirma: “Possivelmente talvez signifique a possibilidade que temos, quando viajamos ao redor do mundo, de experimentar a realidade, compreendê-la nos termos da história mas também nos termos da realidade que encontramos no presente”.
Já nos dois primeiros capítulos, Morrison utiliza o Dom Quixote como pano de fundo para suas descrições e narrações de fatos atuais, quase sempre comparados ou contrastados com trechos da obra de Cervantes. Isto faz todo sentido, se lembrarmos que o Dom Quixote integra um grupo importante de grandes obras clássicas, cujos enredos se estruturam em alguma viagem. Tal recurso sugere que Possibly dramatiza os obstáculos que encontramos na tentativa de separar a realidade da fantasia, geralmente uma realidade do nosso tempo, comparada ou contrastada com uma fantasia imaginada há séculos. Embora se valha de diários, relatos de viagens e de cunho autobiográfico, notícias da imprensa, correspondências, entre outros gêneros, que o direcionam para o mundo real, ele se deixa levar pela própria fantasia, o que de certa forma explica a inspiração que encontra no Dom Quixote. Como sabemos, o entrelaçamento da fantasia com a realidade é um dos pontos marcantes da obra de Cervantes, a ponto de às vezes dificultar a distinção entre uma e outra.
O aproveitamento de diversos gêneros e fontes lembram-nos algumas características do pós-modernismo, que permite tal flexibilidade. A história, a geografia e a literatura, bem como aspectos da política contemporânea, são apresentados e discutidos de forma bem atraente no decorrer da narrativa. A colocação de trechos de Dom Quixote, antes ou depois do relato de fatos da história recente, promovem uma interessante integração entre as importantes áreas do conhecimento já mencionadas, o que leva o autor a fazer como que uma “réplica” pessoal da jornada do famoso protagonista de Cervantes.
Fica difícil destacar algum relato seguido de um trecho do Don Quixote, pois tudo depende do contexto maior. Se faz o relato de um passeio por Salvador ou Rio de Janeiro, por exemplo, o autor sempre encontra uma passagem do romance de Cervantes, para traçar algum paralelo ou contraste, como faz quando caminha rumo à praia de Copacabana, acompanhado por uma jovem brasileira, passam por um acrobata de rua e veem crianças brincando na praia. Ele cita, então, que “Entre os rebanhos de cabras Dom Quixote pegou um punhado de bolotas, e olhando para elas, mergulhou num solilóquio, ‘Feliz a época à qual os antigos deram o nome de ouro, e não por causa de ouro, tão apreciado nesta nossa idade de ferro, era para se ter sem trabalho’.”
Como grande conhecedor de teoria literária, o autor sabe muito bem onde pisa. Por isso, consegue transformar uma narrativa de viagem real em uma jornada do espírito, quando combina o que diz Cervantes, em sua viagem imaginária, com suas descrições e reflexões sobre as condições sociais e políticas dos lugares por onde passou.
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